Entrevistas

Entrevista ao Comandante Fidel Castro Ruz, por CMQ, na província Camagüey

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Fidel Castro.- Garantido o triunfo em todo o país, controlados todos os comandos militares da nação pela chefatura revolucionária, e sendo já o magistrado Urrutia presidente da República, a cuja investidura fica absolutamente subordinado o comando militar que desempenho; restabelecidos na República a liberdade e o poder civil em toda sua plenitude, solicito aos líderes operários e de todos os trabalhadores, bem como às classes vivas, a suspensão da greve geral revolucionária que culminou na mais bela vitória de nosso povo.

Minha lembrança devota aos heróis tombados nesta hora de triunfo, e meu reconhecimento emocionado e profundo ao povo de Cuba, que hoje é orgulho e exemplo da América.

Jornalista.- Doutor Castro: Quando poderemos anunciar ao povo de Havana a vossa chegada à capital junto dos seus companheiros?

Fidel Castro.- Bom, é lógico que compreenda o nosso desejo de chegar à Havana, entre outras razões porque sabemos que estão a nossa espera, mas, como o senhor pode perceber, a marcha deverá ser vagarosamente, por diversas razões: a estrada está obstruída em vários pontos..

Jornalista.- Fomos testemunhas – desculpe pela interrupção – da apoteótica ovação e do estrondoso recebimento que lhe ofereceram na cidade de Camagüey, onde dezenas de milhares de mulheres, homens e crianças saíram à rua para aclamá-lo. Supomos que esse é o motivo pelo qual a marcha deverá ser mais devagar...

Fidel Castro.- Com efeito, considero que o reconhecimento e o carinho que nos demonstrou o povo é superior a quantos méritos possamos ter nós. Acho que simplesmente o único que fizemos é cumprir o nosso dever e, ao fim e ao cabo, não foi tanto o sacrifício; maior foi o sacrifício das mães que perderam seus filhos nesta luta, que foi uma luta necessária. Nós, simplesmente, cumprimos, somos da opinião que cumprimos nosso dever, ou ao menos com uma parte de nosso dever.

Percebo que cada dia é maior o trabalho, por vezes chega a ser absolutamente extenuante. Nós levamos muitos dias sem dormir um minuto só, nem de dia nem de noite.

Eu lhe explicava qual o motivo da nossa tardança, e dizia que devido à guerra foi necessário, para impedir o passo das forças que combatiam contra nós e dos tanques, foi necessário destruir algumas pontes; e agora estamos marchando precisamente em veículos e tanques e precisamente deparamos com o inconveniente de ter que fazer desvios e marchar lentamente. Também, naturalmente, o dever de deter-nos em todos os povoados, onde sempre estão a nossa espera nossos compatriotas, desejosos de cumprimentar nossos combatentes, e isso faz com que demoremos. Fizemos os cálculos seguintes: sair de Camagüey hoje à noite ou amanhã no amanhecer, chegar a Santa Clara amanhã, sair de Santa Clara depois de amanhã, terça-feira — teremos também que organizar uma atividade em Santa Clara —; e posteriormente, na quarta-feira, segundo nossas previsões, pensamos chegar à Havana, no horário da tarde. Esses são nossos planos, e consideramos que, embora tenhamos desejos de chegar à capital, pedimos escusas ao povo de Havana, e que compreendam as causas que nos impedem avançar mais rapidamente. Eu ao princípio julgava que conseguiríamos avançar mais depressa.

Jornalista.- Soubemos, doutor Castro, que o senhor chegará a Havana com mais de 1 000 homens com todo o equipamento de tanques e veículos, et cetera.

Fidel Castro.- Bom, realmente, segundo os planos que temos de reestruturar e reorganizar as forças revolucionárias, deixei nas diferentes províncias, nas diferentes zonas, o número suficiente de combatentes para garantir a ordem, algo que não é difícil conseguir com o povo cubano. Na província de Oriente não tivemos um só caso de saqueio, inclusive as pessoas mais odiadas foram presas, e ninguém tomou a vingança pela sua própria conta, apesar de que ainda depois de dominada a situação a nível nacional, combateu-se em várias cidades contra elementos desesperados que tinham muitas culpas, e isso traz consigo a perda de vidas valiosas. Por acaso, o capitão Horácio Rodriguez, um dos nossos companheiros do iate Granma, depois da tomada da praça de Manzanillo tentou deter um capanga — um homem muito odiado, porque cometeu muitos crimes na zona de Yara —, quis detê-lo e nesse instante, segundo parece com a determinação que demonstrou para capturá-lo, entrou numa casa depois de lançar duas granadas de mão, e então lhe dispararam uma rajada de metralhadora e mataram-no. Aqui em Camagüey tivemos que combater ontem, precisamente, contra um grupo de elementos das forças repressivas e confidentes e elementos apoiantes do capanga Masferrer que se refugiaram num edifício e foi necessário desalojá-los a viva força. Nessa ação também perdemos alguns companheiros. Mas, fora desses fatos... todos esses elementos, quando eram detidos, imediatamente, seguindo a norma que mantivemos durante esta guerra, ninguém deixava-se levar pelo ódio, também não pela vingança; tudo o contrário, todos consideram uma questão de honra e de generosidade mesmo com os criminosos, submetê-los aos procedimentos...

Jornalista.- Esse é um grande exemplo de responsabilidade e de moderação das forças revolucionárias.

Fidel Castro.- Eu sempre disse que no futuro não haveria vingança, porque haveria justiça. Porém justiça quer dizer cumprir com os requisitos elementares do procedimento, embora existam casos nos quais todo o mundo sabe que não há outra alternativa que aplicar-lhes a pena de morte, porque são homens que alguns cometeram até 20 e 30 assassinatos, e é impossível nesses casos não aplicá-las. O povo o único que quer é que lhes seja aplicada a pena de morte.

Jornalista.- Justificadíssima.

Fidel Castro.- E nesses casos, serão os tribunais revolucionários os encarregados de decidir em conformidade com a lei revolucionária, de acordo com a vontade do povo e, além disso, do que precisa o país. Não devemos esquecer os dias trágicos que sofreu a nação. Eu me explico um bocadinho a emoção do povo, o delírio, a alegria imensa do povo, somente pelo cruel que foi a tirania. Eu disse a um jornalista que essa alegria era a medida do cruel e inumano que foi o regime de Baptista.

É preciso, além disso, dar um exemplo: quando atua a justiça até as pessoas mais próximas de algum indivíduo que cometeu dezenas de crimes, compreendem que não havia outra alternativa, e nem sequer nelas fica esse rancor. Serão castigos exemplares que a Revolução generosa aplicará só àqueles que realmente o merecem, mas dizia-lhe que para nós é uma satisfação poder comprovar que não aconteceu um só caso de homem arrastado pelas ruas. As populações de Manzanillo, por exemplo, de Bayamo, de Santiago de Cuba, de Holguín, nos lugares onde mais se assanhou o terror contra o povo, foi onde mais exemplarmente se comportaram.

Não é fácil manter a ordem porque, às boas, o povo faz tudo. O cubano tradicionalmente, às boas, está disposto a colaborar e fazer tudo o que for necessário, os maiores sacrifícios; mas não está disposto é a fazer alguma coisa às más. Isso o compreendi muito bem....

Jornalista.- Doutor, desculpe que lhe faça esta pergunta que tal vez possa ser um bocado sentimental.

Fidel Castro.- Não se preocupe, Diga lá.

Jornalista.- Como quer que foi no Quartel Moncada onde o senhor iniciou a primeira grande batalha armada contra os usurpadores, e foi ali onde teve sua origem e seu nome o Movimento 26 de Julho, o senhor deve ter sofrido um impacto emocional muito forte quando entrou vitorioso no Quartel Moncada. Gostaria explicar brevemente estas impressões?

Fidel Castro.- Bom, há muito tempo que nós vivemos sob um grande impacto emocional; estamos costumados um bocado a circunstâncias excepcionais como essa. Também, por exemplo, desde nossa partida do México, a travessia, o desembarque; quando desembarcamos nos pantanais, eu pensei que era um ilhote, até que finalmente descobrimos que... pudemos sair dai com muito trabalho. Os primeiros reveses: fiquei com dois homens e dois fuzis durante quase 15 dias, tentando fazer contato mais outra vez e reagrupar os primeiros combatentes, buscar as armas que se perderam. Todas as peripécias da luta: as primeiras vitórias, desde a mais pequena até a maior; desde o combate de La Plata até o momento em que, há apenas seis meses, vimo-nos na necessidade de combater contra 14 batalhões de infantaria bastante bem armados, com só 300 homens e 5 000 balas de reserva...

Jornalista.- Esses combates aconteceram na província de Oriente, não é?

Fidel Castro.- Bom, esses tiveram lugar na Serra Maestra. Durante dois anos e trinta dias vivemos toda classe de momentos emocionais. Evidentemente, também aqueles dias, ... O primeiro dia foi também um grande dia, porque nós nos fomos traídos; houve uma tentativa de arrebatar a vitória ao povo. Aquela manhã houve que atuar rapidamente...

Jornalista.- O senhor refere-se à tentativa de criar a Junta Militar no acampamento Columbia?

Fidel Castro.- Da Junta, do golpe, foi um golpe contrarrevolucionário para evitar o inevitável; é que se durava 15 dias a mais, nós fazíamos prisioneiras todas as forças. Nós nessa altura tínhamos 10 000 soldados assentados na província de Oriente. Íamos atacar já a cidade de Santiago de Cuba, quando se apresentou Cantillo para fazer as propostas que... eu, por exemplo, pensava, analisando-o friamente, que o melhor era não aceitar nenhum tipo de apoio, porque já a guerra estava ganhada; mas quando a gente faz esses cálculos, tem que pensar sempre se é possível conseguir o mesmo objetivo sem derramar uma só gota de sangue... Porque, sobretudo os homens que tombaram nos últimos dias da guerra são os que nos produzem maior pela idéia de que, por exemplo, sobreviveram a todos os perigos em numerosos combates, e sempre produz uma enorme tristeza, num momento de um combate vitorioso, pensar naqueles que não puderam desfrutar o fruto do triunfo. Isso nos aconteceu com alguns comandantes. Aconteceu-nos com o comandante Paz, quando a batalha de El Jigüe... Não, melhor dito, com o comandante Cuevas, na batalha de El Jigüe, horas antes daquela vitória, que foi nossa primeira grande vitória, já que naquele momento significou mais de 300 baixas ao inimigo e 260 armas capturadas, numa batalha que durou 10 dias; e aquele companheiro , que foi um dos heróis daquele combate, não sobreviveu, não pôde ver a vitória. Aconteceu-nos com o comandante Cuevas, aconteceu-nos com o comandante Daniel, aconteceu-nos com mais outro companheiro, o comandante Coroneaux, quando a batalha de Guisa, visto que ele foi o herói da batalha de Guisa, e...

Jornalista.- Comandante, quantos dias durou a batalha de Guisa?

Fidel Castro.- Durou 10 dias. As batalhas mais fortes que tivemos foram batalhas de 10 dias. Eu não sei se são conhecidos bem todos os pormenores.

Jornalista.- Seria interessante que fizesse referência a alguns dos principais, porque...

Fidel Castro.- Bom, certamente não terminaríamos hoje.

Jornalista.- Mas, alguns dos principais detalhes que o povo está desejoso de conhecer, porque admira justificadamente a heroicidade de vocês.

Fidel Castro.- Bom, não é muito, é simplesmente que tínhamos que fazer isso de qualquer modo. Posso dizer-lhe, por exemplo, nós iniciamos o combate de El Jigüe com 120 homes, e combatemos contra dois batalhões. Por cada um de nossos homens fizemos três baixas à ditadura. O combate de Guisa foi um combate que aconteceu muito próximo da cidade de Bayamo contra todos os tanques Sherman; nós não tínhamos artilharia, não tínhamos nada, e contudo ali os 220 homens combateram contra perto de 3 000 homens. O que acontecia nestes combates era o seguinte: nós começávamos o combate com um número determinado, mas segundo iam passando os dias, tínhamos mais fuzis e mais fuzis, porque cada vez que provocávamos um revés ao inimigo, lhe ocupávamos 20 ou 30 fuzis e começavam... por exemplo, eu comecei a batalha de El Jigüe com 120 homens e terminamos com perto de 400 homens armados. Começámos a batalha de Guisa com 220 homens, a mesma teve lugar muito próximo da cidade de Bayamo, e concluiu com 350 homens armados. Nós durante 45 dias, combatendo contra guarnições que fizeram uma forte resistência... O quartel de Maffo resistiu durante 20 dias, atrincheirou-se nas naves do BANFAIC e custou muito.

Não foi tão forte a resistência de Palma Soriano, porque o morteiro 81 foi colocado numa boa posição; o nosso apontador de morteiro tinha adquirido uma grande pontaria e em poucos minutos deixou fora de combate a força maior de Palma, mas apesar disso fizeram uma grande resistência.

Foi também nos dias em que sofremos mais baixas, porque o avanço de Guisa até Santiago de Cuba foi um avanço de luta contínua pela Estrada Central. Então, nos diziam que estávamos na Serra Maestra e visto que estávamos na Serra Maestra podíamos dominar a situação. Nós iniciamos o ataque às tropas de Bayamo e a todas as guarnições que se encontravam localizadas entre Bayamo e Santiago de Cuba, na Estrada Central, e depois que nos apoderamos da Estrada Central não conseguiram nos arrebatar nem uma polegada da estrada. Por esses dias foram ocupadas mais de 700 armas e as forças da Coluna Um, e da Coluna Três, provocaram-lhe... e, além disso, já não era coisa de colunas; já todas nossas tropas estavam colaborando, porque todas as que se encontravam numa posição, apoiavam as outras, impedindo o passo dos reforços, fizemos-lhe mais de 1 000 baixas e ficamos na posse de mais de 700 armas.

Nesse momento tinha lugar a batalha de Santa Clara, porque eu me comuniquei por aqueles dias, depois dos combates de Guisa, com o comandante Ernesto Guevara, que era nosso comandante nessa província, e dei-lhe orientações... porque ele conhecia os planos de que íamos avançar rumo a Santiago de Cuba, e era muito importante; quando ele saiu da Serra Maestra, o objetivo estratégico do avanço das colunas até a província de Santa Clara era precisamente que nos apoiassem durante nosso avanço rumo à capital.

Agora não lhe farei a explicação — porque seria muito longo — de qual foi toda nossa estratégia; foi um plano concebido e se foi levado a cabo, mas com tal exatidão, que Baptista cai o dia que pensávamos que ia cair, e Santiago de Cuba caiu mais ou menos o dia que pensávamos que seria tomada por nós. Assim que isso teve lugar... o que sim, por pouco...

Bom, por pouco, não; não podiam nos arrebatar o triunfo de maneira nenhuma, mas tentaram-nos arrebatar o triunfo.

E se não atuamos rapidamente, as conseqüências poderiam ter sido graves, porque informam as pessoas que Baptista tinha ido embora, informava-se que nós íamos para Havana, queriam dar a entender que nós concordávamos com isso, já falava-se de uma “comissão de paz”.

E pensei, depois de Baptista abandonar o poder, uma comissão de paz que ia nos visitar para que não continuássemos realizando operações, poderia fazer com que o povo nos viesse como integrantes de um plano de ambiciosos ou de intransigentes; e certamente era um momento terrível, porque aquilo não tinha nada de revolucionário. Além disso, era uma tentativa, simplesmente, de conservar dalguma maneira a força; faltou pouco para que nos disseram que entregássemos os fuzis.

Eu disse reiteradamente, e sempre prevendo esse perigo, o disse constantemente que não aceitávamos a Junta Militar, e que nossas condições para aceitar qualquer acordo com um movimento militar, realizado pelos militares que não estivessem comprometidos com os crimes ou com a imoralidade, o roubo, o vício e todas as depravações que praticou...

Jornalista.- Doutor, parece que — e desculpe pela interrupção —, o discurso que o senhor pronunciou rejeitando totalmente a Junta Militar, foi o golpe decisivo à situação...

Fidel Castro.- Bom, quando me informam... eu encontrava-me na fábrica de açúcar América, estava preparando as tropas para avançar sobre a cidade de Santiago, quando sou informado que a emissora Rádio Progresso anunciava que Baptista tinha ido embora.

É evidente que não era totalmente uma surpresa, porque no dia anterior eu lhe enviei um ultimato anunciando-lhe que se rompiam as hostilidades, e o enviei à praça de Santiago de Cuba para que informaram Cantillo, porque ele já... eu dei-me conta de sua traição, 24 horas antes do 31 de dezembro, às 15h00, data e hora para as quais foi traçado um plano de ação, em conformidade com o apoio incondicional — porque de outra maneira não teria sido aceite o apoio — que ele ia dar à Revolução. E ao perceber isso imediatamente lhe escrevi, e trocamos algumas cartas que li pela rádio, documentos que provam de maneira absoluta a traição de Cantillo; eu lhe enviei um ultimato e lhe disse que passadas as 15h00 do dia 31 de dezembro... avançaríamos resolutamente sobre a cidade de Santiago.

Em Santiago teria sido travada uma batalha muito dura, porque haviam 5 000 soldados aproximadamente, artilharia, tanques...

Nós estávamos costumados a lutar contra esses efetivos, e, além disso, estava certo de que tomaríamos Santiago; já o plano estava feito, e não tinha a menor dúvida de que lhes arrebataríamos Santiago. Já a gente conhece tão exatamente as reações, as táticas e tudo, quando há que atacá-los por um lado... por exemplo, quando a gente quer que o inimigo abandone uma posição, a gente sabe o que tem que fazer; e quase resultavam infalíveis as táticas que iam ser aplicadas. E eu já estava colocando alguns canhões na entrada da baía para interromper a comunicação por mar; canhões de tanques destruídos por nós próprios, dos quais tínhamos aproveitado os canhões e lhes tínhamos fabricado tudo o que resta da montagem de canhões de terra...

Jornalista.- Afortunadamente, não foi necessário usá-los...

Fidel Castro.- Eu dizia que nem as fábricas Krupp construíam canhões melhores do que os nossos armeiros. Ali mesmo, na fábrica de açúcar América, fazendo uso...

Jornalista.- os canhões eram fabricados ali?

Fidel Castro.- Os canhões não, os canhões eram dos tanques; o que fazíamos era a montagem do canhão. Eu já lhes estava colocando os morteiros em direção ao aeroporto, e já tínhamos uma grande quantidade de minas que íamos colocar entre o aeroporto e a cidade. A combinação era interromper, em primeiro lugar, as comunicações — que foi o mesmo que lhes fizemos em Palma —, tomar o aeroporto e obstruir a baía; também contávamos com meios para poder afundar um navio ali, mas isso poderia ter provocado uma fricção internacional e a perda de muitos milhões. Íamos colocar os canhões a 300 metros da zona por onde tinham que passar os navios. Então já as tropas se encontravam localizadas em suas posições; primeiro íamos combater os salientes que tinham perto de Santiago de Cuba. Estávamos trabalhando nisso, quando de manhã, no dia um, me dizem que Rádio Progresso informava que Baptista tinha fugido para Santo Domingo, e como sempre são ditas tantas mentiras, por vezes a gente ouve uma coisa e... E geralmente sempre ouvimos com cepticismo a notícia. Imediatamente peço para que seja verificada a informação, e passada meia hora, foi confirmada a notícia de que Baptista fugira, e que existia una Junta, e que Carlos Manuel Piedra era o presidente. Eu, subitamente, sem perder um minuto, redigi as declarações; não demorei apenas uma hora em redigir as declarações e sair para onde estava localizada nossa emissora móvel, onde estava Rádio Rebelde, que já estava instalada em Palma. Me desloquei, e foi quando li a proclama onde explicava que tinha acontecido um golpe e que esse golpe era muito suspeitoso, que não era aceite por nós; e foi quando ordenei a todas as colunas de que avançaram para os povoados, que atacaram, e que não deram outra trégua que não fosse para a rendição. E me comuniquei com o comandante Camilo Cienfuegos e lhe ordenei que avançasse imediatamente; ele havia pouco tinha atacado Yaguajay, e lhe disse que ao mais tardar em duas horas tinha que ter os homens em marcha rumo à capital. E lhe disse, simplesmente, que tomara o acampamento Columbia. A Camilo podia dar essa ordem.

Jornalista.- Que a cumpria.

Fidel Castro.- Sim. Dei-lhe a ordem de avançara com 500 homens, com armas automáticas, e atacar o acampamento Columbia, que se comunicara novamente comigo quando já estivesse lá.

Então, o Che estava finalizando a batalha de Santa Clara; contava com 300 soldados que se mantinham resistindo. Eu lhe disse que não se importara com isso, que deixara uma parte da tropa nesse lugar garantindo o cerco, e que avançara imediatamente para apoiar Camilo; que Camilo tomara Columbia, e que ele fosse para a Cabaña.

Foi assim que fizemos a deslocação imediata das tropas rumo à cidade de Santigado de Cuba. Santiago tinha que ser atacada de todo jeito nesse dia, porque de contrário aquele golpe podia consolidar-se. Por volta das 14 horas eu estava muito preocupado com as notícias que chegavam de Havana, no que diz respeito à uma “comissão de paz”...

Jornalista.- Que já tinha sido constituída.

Fidel Castro.- O senhor sabe o que representam esses momentos de tanta confusão. A imprensa internacional pode ser enganada, a opinião pública pode ser confundida. Mas já minha proclamada tinha sido lida, a mesma foi divulgada pelas emissoras CMQ e Rádio Rebelde; e, além disso, imediatamente me reuni com os companheiros da direção do Movimento e acordamos dar a ordem de greve geral para o dia seguinte, e a Santiago demos a ordem de começar a greve geral às 15 horas, e um ultimato à cidade de que às 18 horas, se não entregavam as armas, nós atacaríamos.

Quando me deslocava para Santiago de Cuba, achei muito engraçado, porque eu ouvia pela rádio o anúncio de que o povo estava eufórico, de que nas ruas estavam as bandeiras do Movimento e as mulheres vestidas de vermelho e negro, em sinal de triunfo, pelo triunfo do líder da Revolução e pelo triunfo de Fidel Castro. E eu dizia: mas como é isso de meu triunfo, eu o que estou a fazer é avançar sobre uma cidade que tem 5 000 soldados?! Era uma situação muito curiosa.

Mas, realmente, a guarnição de Santiago de Cuba, na qual se desempenhava como chefe o coronel Rego Rubido — de quem tenho muito boa opinião, porque muitas vezes se conhece melhor os adversários do que os amigos... E ele é um militar de honra e um homem valente; pôde ter feitio muita resistência. Já tínhamos trocado alguma comunicação relacionada precisamente... eu lhe disse o que Cantillo tinha combinado comigo e o que realmente estava a fazer Cantillo; eu já lhe tinha dito que isso no dia anterior. Então a atitude dele foi fazer contatos conosco.

Também por parte da Marinha houve uma atitude similar: a fragata Maceo se comunicou conosco e nos disse que ficava incondicionalmente às nossas ordens.

Jornalista.- O senhor sabe que já nessa oportunidade — e peço desculpas — a emissora CMQ estava em cadeia com todas as estações e com Rádio Rebelde, transmitindo para toda a Ilha, inclusive para o continente?

Fidel Castro.- Sim, eu sei, eu sei que minhas declarações foram divulgadas pela emissora CMQ, eu ouvi-as.

Foi assim que a fragata Máximo Gómez imediatamente disse que ajuadaria; a chefatura da polícia de Santiago disse que nos apoiava; e ao mesmo tempo, de maneira simultânea, o chefe da guarnição voou num helicóptero para Palma com o objetivo de nos localizar; não conseguiu fazê-lo e nós continuávamos avançado para Santiago. Já se faziam todos os preparativos para o ataque, quando entramos em contato com um capitão que estava em El Caney, e fizemos contato com o coronel Rego. Tivemos uma entrevista. Então eu lhe disse que eu queria reunir-me com todos os oficiais da guarnição de Santiago de Cuba para conversar com eles; que eu o que queria apenas era falar com eles, que eu estava certo de que as questões que ia colocar seriam aceites por todos eles, visto que eu considerava que tinha toda a razão e que lhes falaria em termos que eram precisamente os que mais lhe convinha à República e a eles.

Finalmente, a reunião teve lugar às 19 horas, e eu lhes disse que Cantillo tinha falado comigo em nome do exército e o que fez foi trair-me antes de começar, e trair também os soldados, porque nenhum deles foi consultado sobre alguma coisa; que eu não concordava com o golpe, que eu queria democraticamente reunir-me com todos os oficiais e, se for necessário, com todos os soldados, para conversar com todos os soldados; que isso não era uma conspiração, isso era um a decisão democrática; que os generais não tinham direito a decidir sobre... Que normalmente o militar tem que cumprir ordens e obedecer, mas quando se trata de questões tão vitais e fundamentais como é decidir qual a postura que devia ser assumida, qual a posição, num momento histórico de um exército, os oficiais têm que ser consultados.

Jornalista.- Mas, enquanto isso acontecia, Comandante, já todo o povo estava celebrando com júbilo o triunfo, porque já estava informado, através da cadeia CMQ, Rádio Relógio e todas as restantes estações, dos pronunciamentos seus rejeitando a Junta.

Fidel Castro.- Bom, eu disse esta frase. Quando percebi que nos traiu, e que tinha atuado de uma maneira tão absurda que até o Pedraza que foi nomeado membro da Junta tinha ido embora, que os oficiais selecionados para desempenhar determinados cargos, quando foram procurados para lhes designar o cargo, também tinham ido embora — imagine como teriam a consciência todas essas pessoas! Era uma falta de tato político, um erro.

Eu disse: este homem deu um salto mortal no vazio. Eu também disse com outras palavras: “olhe, apanhámo-los fora da base, e entre a primeira e segunda bases, porque não chegaram à terceira” (Risos)

Jornalista.- Está a usar a linguagem do jogo de beisebol: lhes fizeram out entre a primeira e segunda bases...

Fidel Castro.- Eu sabia que devido ao estado moral de nossas forças nesse momento, a ordem de avançar sobre os quartéis converter-se-ia num desastre total para o regime porque Cantillo era a continuação do regime. E estava totalmente de quais seriam as conseqüências. É lógico que poderiam ter lugar batalhas sangrentas. Isso me preocupava, doía-me que pudessem acontecer aquelas baixas naquele momento.,. E por isso considerei que a atitude dos militares era muito digna de tê-la em com sideração, dos militares de Santiago de Cuba. Eles evitaram que perdêssemos mais vidas. E, além disso, nesse momento tudo era muito confuso. E garantiram o triunfo, porque desde o momento em que as fragatas e o exército em Santiago de Cuba se uniram, e o exército em Bayamo se uniu o senhor Cantillo, já podia fazer o que quiser no Columbia, que estava derrotado. Camilo avançando, e nós íamos apoiá-lo imediatamente.

Simplesmente aconteceu que... Olhe: a história destes dois anos de luta, é a história de uma série de erros que cometeram nossos inimigos, de subestimar o adversário. Essas pessoas subestimaram o povo de Cuba e muitas vezes subestimaram os rebeldes, e mais outra vez subestimaram-nos na última hora. Eles achavam que conseguiriam enganar o povo, e depararam com uma Revolução muito mais fortalecida com a traição do que sem a traição. Sei lá se este homem pensou que nós íamos ficar de braços cruzados. Só foram tomadas as disposições necessárias para ultrapassar aquela situação, e antes das 10 horas estava dominada totalmente.

Aconteceu um fato extraordinário em Cuba. Eu muitas vezas pensava que a Revolução tinha que ser feita em duas etapas, que na primeira etapa conseguiríamos a primeira parte da vitória e que depois aconteceriam novos confrontos; mas a Revolução foi feita de uma única vez. Teve lugar o desarmamento total de todas as forças adversárias e foi questão de poucas horas. Não foram desarmadas as tropas que realmente nos ofereceram seu apoio naquele momento de confusão, e de maneira nenhuma... Além disso, eu conto com essas tropas. Ontem eu tive uma reunião, me reuni com os 2 000 soldados que estavam em Bayamo, e o entusiasmo, e o fervor surge neles, um sentido da lealdade para com o povo representado. Aquele que vê esse povo... não do exército, o pessoal técnico do exército vai conosco fazendo parte de nossa coluna. Então, eu vou indicar a transferência, para que nos alcancem durante a marcha, algumas companhias da Marinha e as companhias que estão acampadas em Bayamo nos fazem falta e vale a pena, com aqueles homens, realizar uma tarefa de superação porque existe um material humano muito bom.

Jornalista.- A propósito disso, Comandante...

Fidel Castro.- Então, eu vou mandar buscá-los, porque, como eu lhes disse, aqui não houve vencidos, mas sim vencedores. Exclusivamente, porque triunfou o povo...

Jornalista.- O povo, sem dúvida.

Fidel Castro.- Eu não quero que somente entrem... Se todos temos que viver em paz, se é um dever nosso como revolucionários escolher os militares que são dignos, que tenham qualidade humana para constituir o novo exército da República, então não devemos entrar sozinhos em Havana, se os militares nos secundaram nesse momento, que foi duro, quando uns militares nos traiam, eles nos secundavam, é correto que entremos em Havana não só os rebeldes, mas também que entrem algumas companhias do exército, armadas.

Jornalista.- E ali serão recebidos com grande júbilo.

Fidel Castro.- Armadas! E que também entrem algumas companhias da Marinha também armada. Porque eu confio absolutamente nesses homens.

Jornalista.- Quando o senhor entre em Havana, tem como propósito ir ao Palácio Presidencial, ao acampamento Columbia, ou ao Qaurtel da...

Fidel Castro.- Nada disso, olhe, aqui ninguém tem pensão em ir a Palácio.

Jornalista.- Então o senhor continuará para o Columbia?

Fidel Castro.- Bom, a idéia é reunirmo-nos no Columbia o povo, os rebeldes e os militares, porque foi um movimento feito em Santiago, foi um movimento de revolucionários, de militares e de povo. Essa é a Revolução que queríamos e que nós predicávamos, e muitas vezes... constantemente conversámos com aos militares.

Jornalista.- Então vai convidar o povo a que nesse dia esteja presente no Columbia, no acampamento Columbia para que participe em...

Fidel Castro.- Vamos convidar o povo a que acuda em massa ao Columbia, para que receba ali tanto aos combatentes orientais, quanto aos soldados que se uniram, aos soldados revolucionários e aos marinheiros revolucionários. E reunir os militares com o povo, porque daqui por diante, e para sempre, os institutos armados serão instituições ao serviço do povo.

A tirania tinha-nos isolados aos militares e ao civil. Um civil desarmado, sem técnica e sem conhecimento militar de nenhuma índole, estava à mercê de qualquer pandilha que se apoderasse dos comandos, e acontece que o militar, costuma obedecer as ordens. E temos que identificar o militar com o povo; acabaram as diferenças, isso o único que nos cria é um espírito de casta e um desprezo de uns para com os outros.

Jornalista.- É mesmo o povo...

Fidel Castro.- E nós, a nossa missão é... A Revolução tem que ser garantida em princípio com o controlo dos instrumentos que são necessários para apoiar o Governo Revolucionário.

Jornalista.- E os planos imediatos de reconstrução e de democratização.

Fidel Castro.- O segundo: criar bases permanentes para os institutos armados da República, de identificação permanente com o povo. Nós podemos fazer muito para que essa identificação se produza. E converter os institutos armados em verdadeiros modelos de instituições, sobretudo, ao serviço da pátria, da Constituição e dos direitos do povo. Acho que podemos fazer muito, porque demonstramo-lo; porque nosso exército, o Exército Rebelde, é um exército onde jamais um prisioneiro foi espancado, também não foi ultrajado, nem assassinado. Esses são ensinamentos que podemos transmitir aos homens que viram torturar e assassinar seus companheiros. Isso pode ser ensinado a todo o exército, e eu peço ao povo que nos ajude.

Eu, realmente, desejo fazer neste momento muitas coisas, porque tenho muitos compromissos. Sobretudo, com os camponeses, com aquelas pessoas que sofreram a pior parte da guerra, e nestes momentos me corresponde essa tarefa, tomar conta das questões relativas aos institutos armados. O senhor sabe que eu sou advogado,

Jornalista.- Eu bem sei !!!! E brilhante!

Fidel Castro.- Não, não, brilhante não.

Jornalistas.- De avaliações excelentes. Teve um dossiê excelente.

Fidel Castro.- Não sou militar de profissão. Eu não sabia que teria que me ocupar nestes momentos...

Jornalista.- Todos esses conhecimentos militares foram adquiridos pelo senhor na própria Serra Maestra, na própria luta?

Fidel Castro.- Logicamente. Olhe, eu acho que todo homem é guerreiro, isso o adquirimos por herança dos nossos antepassados, que sempre viviam guerreando. E na guerra há que usar muito a astúcia, o sentido comum, a agilidade mental, bom, uma série de coisas. E nós temos comandantes formidáveis, e nenhum estudou em academia militar. Eu lhe garanto que, quando eu lhe disse a Camilo que tomara o acampamento Columbia, estava certo de que o tomaria, e se pedia para o Che que tomara a Cabaña, estava certo que o faria. Não a tomaram, naturalmente; ali não se combateu por fortuna, porém conseguiam toma-la.

Jornalista.- Da mesma maneira que tomaram outros povoados anteriormente.

Fidel Castro.- Olhe, houve alguns que me disseram: “isso é uma loucura mandar essas colunas por Camagüey”. Eu disse: “não”. As pessoas pensavam que as colunas eram imensas, e as colunas... a de Camilo tinha 82 homens e a do Che tinha 110. Ao Che entregamos a bazuca, a Camilo todos os Carands, quase toda sua tropa ia com as melhores armas. Porque eu imediatamente distribui as forças pensando nesse plano, nesse momento, e mandei o Camilo e o Che que eram de nossos melhores comandantes.

Eu sempre, cada vez que tinha um comandante na Serra Maestra, ou alguns oficiais mais capacitados, tinha-os que mandar a cumprir outras tarefas, e tinha que começar a ensinar outro grupo. E nossa gente aprendia combatendo.

Jornalista.- Essa era a academia da Serra.

Fidel Castro.- Porque da Coluna Um saíram todas as restantes colunas, e até que em fim eu disse: “bom...” Eu sai de La Plata com 16 homens, poucos dias depois das eleições, e já estávamos em Santiago com perto de 1 000 homens. Eu disse: “nesta ocasião não vou dividir a Coluna, não vou dividi-la mais”. Porque, bom, já também tinham mudado as circunstâncias e o que tínhamos que fazer era avançar, fazer operações grandes. Nós, após a ofensiva, terminamos com 800 armas; mas imediatamente avançámos em várias direções. Eu tenho os mapas onde foram feitos todos os planos, os quais foram feitos com toda rigorosidade, precisão e com toda exatidão.

Eu dizia que todo homem é um guerreiro nato, e isso é om que explica porque nós fizemos a guerra. Além disso, repito mais uma vez: porque estávamos obrigados a fazê-lo, o que íamos, fazer? Um dia Tabernilla disse que nós éramos 12. Era verdade; esse dia que o disse éramos 12. E que não tínhamos outra alternativa a não ser render-nos ou fugir, se conseguíamos fazê-lo. Nós não íamos nos render, também não fugir, porque para fugir tínhamos tempo demais, e nunca em nós existiu o ânimo de nos render, nem de irmos embora. Então, qual a alternativa que nos restava? Era ganhar a guerra. Bom, isso foi o que fizemos; fizemo-lo porque não tínhamos outra alternativa.

Jornalista.- Consolidado já o triunfo revolucionário, Comandante...

Fidel Castro.- Bom, eu dizia que tenho que me ocupar de algo que não é meu ofício.

Jornalista.- O senhor falava preferentemente do campesinato.

Fidel Castro.- Eu posso fazer muito pouco. Posso dizer-lhe que tenho que me conformar com fazer pouco, por diferentes razões. Primeiro, porque já somente a tarefa relacionada com a reorganização, a restruturação e o estabelecimento sobre bases realmente democráticas dos institutos armados da República, já é uma tarefa; apesar de estarmos trabalhando nisso e já se realizem a partir deste momento uma série de atividades nesse sentido, e tudo vai marchar perfeitamente e muito rápido. Mas tenho obrigações muito grandes sobretudo com os camponeses, obrigações imediatas.

Eu não quero que aquelas pessoas sejam esquecidas, de maneira nenhuma. E eu lembro que muitas vezes, quando eu passava por aqueles lugares as pessoas diziam: “e depois que vaiam embora, se calhar não se lembram de nós”, porque costumaram-se a serem pessoas esquecidas. E eu, sinceramente, sento um profundo carinho por aquelas pessoas, e tenciono dedicar uma grande parte do tempo a fazer tudo o que for possível, inclusive apoiando-me nos próprios combatentes numa série de trabalhos ali, apoiando-me no povo, oferecendo-lhes maquinarias, um grupo de coisas que eu lhes pedirei aos companheiros que trabalhem nos ministérios correspondentes, lhes pedirei que colaborem. Isso é o que eu posso fazer, porque posso dizer-lhe neste momento que eu tenho o mais firme e decidido propósito de subordinar inteiramente minha autoridade e minha influência ao presidente legítimo da República, e que absolutamente em tudo eu serei um subordinado do poder civil, porque isso é o que estivemos a predicar e isso é o que o país necessita. Portanto, o que posso fazer é pouco. Mas eu sei que os companheiros que foram eleitos pelo Presidente para trabalhar têm os maiores desejos de trabalhar. Ao mesmo tempo que cumpra as tarefas imediatas que me foram encomendadas, eu farei o que possa também, sempre que estejam ao alcance de minhas possibilidades, por cumprir algumas coisas que são imediatas.

Eu não quero, inclusive, passar muitos dias em Havana sem voltar à Serra Maestra, para reunir os camponeses da Serra Maestra, porque eu tenho que reunir os camponeses da Serra Mestra. Reuniram-se os cidadãos, nossos compatriotas de Bayamo, de Palma Soriano, de Santiago de Cuba, de todos os povoados.

Jornalista.- E fá-lo-á sucessivamente em todas as províncias.

Fidel Castro.- Reunir-nos-emos em Havana. Porém eu tenho que ir lá para me reunir com os camponeses da Serra Maestra e reunir ali milhares e milhares de camponeses, sem bombardeamento, sem fome, sem cerco, porque sei que para eles será uma grande esperança saber que nós nos lembramos deles. E creia-me que eu tenho obrigação com a nação inteira, e tenho obrigação com todos meus companheiros, mas também sinto que tenho obrigação com aqueles homens que nos ajudaram a fazer.,.

Jornalista.- a nação está cheia de esperança e de júbilo, confiada na labor patriótica que vocês realizarão, à qual o povo oferece a mais ampla e decidida cooperação.

Fidel Castro.- Sei que vamos ter sucesso, embora seja dura a jornada que temos daqui em diante. Sei que vamos ter sucesso, porque se fizeram homens revolucionários. Se nós tivéssemos triunfado ao outro dia do desembarque, aqui não existiria Revolução, porque não havia valores humanos. E a Revolução e a luta têm sido uma escola extraordinária, onde surgiram uma quantidade fabulosa de valores, de homens com muita coragem e de uma capacidade a toda prova nos quais se pode confiar.

Olhe, eu fico tranqüilo. As pessoas me dizem que me cuide, que tenha cuidado com os franco-atiradores que andam pelos povoados, que se me acontece alguma coisa seria um problema. Eu estou muito confiante, mas absolutamente confiante em que aqui ninguém é imprescindível. Digo-o com toda franqueza, porque conheço os homens que tem a Revolução e sei que estão unidos dentro de nosso Movimento. Sei que aqui ninguém é imprescindível. A mim o mesmo me podem indicar que faça um trabalho determinado, que me podem dizer que descanse durante um mês, que me podem dizer que faça uma viagem pela Europa, o qualquer outro lugar. E não sou necessário, estou certo de que tudo marcha bem.

Quando por exemplo, eu deixo aqui em Camagüey um Comandante, responsável por determinadas atividades, deixo-o, por exemplo, o Raúl em Santiago de Cuba, eu bem sei. Como percebi, quando os mandei para a Segunda Frente, a tarefa que desenvolveram ali; quando mandamos o comandante Ernesto Guevara para a província Las Villas; a tarefa que desenvolveram ali. Eles resolviam os problemas sozinhos; tinham as instruções gerais, porém todas as restantes coisas faziam-nas eles próprios. Nas atividades que realizaram nossos comandantes em qualquer lugar para o qual os mandamos, provaram essa capacidade, o que demonstra que eu não tenho que estar presente. Eles sabem o que têm que fazer...

Jornalista.- Eles estão identificados com seus princípios e com seus procedimentos.

Fidel Castro.- Absolutamente. Olhe, o senhor tem que perceber que, por exemplo, do total de combatentes que veio no iate Granma quedamos por volta de 10 a 12 companheiros.

Atualmente, todos são comandantes do Exército Rebelde, e serão comandantes também do novo exército da República, do novo exército que será dos revolucionários e dos militares honestos. Calcule o senhor, desde o México, tudo o que temos vivido juntos até agora. Quase é impossível que não nos entendamos, fomos os que quedamos, e existe uma identificação tão completa que...

Jornalista.- Todos sabemos, Comandante, que muitos dos expedicionários do iate Granma não puderam sobreviver para ver a vitória. Quantos foram os mortos do iate Granma?

Fidel Castro.- Olhe, realmente, em combate morreram quatro companheiros. O restante, foi o de sempre. Tínhamos também que tirar da mente dos revolucionários uma idéia; existia esse pessimismo, esse fatalismo... Quando sofríamos um revés, pois houveram muitos sempre... aconteceu no ataque ao quartel Moncada, e também aconteceu depois. Alguns companheiros, com seu fatalismo, achavam que era impossível toda a luta e tentavam ir embora, entregavam as armas e alguns se apresentavam. O resultado foi o seguinte, todos os companheiros que foram presos nos primeiros momentos, foram assassinados todos, assassinaram por volta de 35 ou 40 companheiros.

Há que fazer um cálculo das listas, porque em princípio era muito difícil saber quem conseguiu sair e quem não. Mas foram assassinados perto de 35 companheiros; morreram quatro em combate, e alguns que tombaram em emboscadas. Acho que os sobreviventes somos aproximadamente 50%. E dos que continuamos na luta também já caíram mais outros. De um grupo de 14, morreram o companheiro Ciro Redondo, o companheiro Julito Díaz, e por último o companheiro Horacio Rodríguez. Vou ter que voltar... Constantemente estamos revisando os que quedamos do ataque ao Moncada, depois os que quedamos do iate Granma, e somos de 10 a 12 neste momento.

Jornalista.- Bom, Comandante, não lhe roubamos mais tempo, porque sabemos que o senhor tem tarefas urgentes por cumprir.

Fidel Castro.- Bom, eu quero aproveitar a ocasião para agradecer à empresa CMQ. Todas desenvolveram uma tarefa extraordinária. Quando eu vi que as emissoras de rádio estavam transmitindo na segunda-feira, diz: “bom, já é impossível o fracasso”.

Jornalista.- E em cadeia com as emissoras rebeldes. Era a consolidação do triunfo.

Fidel Castro.- Aquilo era incrível. Eu sabia... foi decisivo o apoio das emissoras de rádio na última batalha, na última vitória, e a maior vitória. Não foi somente uma vitória do Exército Rebelde; foi a vitória do soldado honesto, dos trabalhadores, das classes vivas, do povo inteiro, e muito especialmente, da imprensa radial e televisual. Tenho, sinceiramente, que agradecer-lhes e reconhecer o que fizeram; agradecer-lhes em nome do povo...

Jornalista.- Do povo, que é o triunfador.

Fidel Castro.- Agradecer-lhes em nome de vocês mesmos.

Jornalista.- Comandante, uma pergunta para terminar, para os jornais terrestres. Os jornalistas estão dispostos a oferecer-lhe toda sua colaboração, porque é a colaboração à Revolução que o povo desejava ardentemente e que o senhor foi capaz de levar a cabo. Consumada a Revolução que, repito, era um desejo ardente do povo, e que foi possível graças ao sacrifício de todos seus homens e também do povo em grande parte; no aspecto econômico preocupa evidentemente ao povo, por exemplo, de imediato as questões da colheita da cana-de-açúcar. Essa questão receberá uma atenção preferente de imediato.

Fidel Castro.- Observo uma atividade febril em todas as ordens econômicas, instalando as vias de comunicação rapidamente, colocando... Isso é conseqüência do otimismo que existe no país (interrupção)... para o que eu não tenho calma é quando a coisa se põe... que nos querem prejudicar (Risos).

Jornalista.- Há pouco Comandante, o senhor disse que quando estava a cadeia de rádio e televisão à qual pertencem a CMQ, Rádio Relógio, e todas as restantes emissoras do país, o senhor sentia-se confiante com o triunfo, porque o povo estava escutando todas as diretrizes e todas as orientações finais da luta...

Fidel Castro.- Sim, é verdade... Por exemplo, quando eu vi... devido a uma série de circunstâncias compreendi que todas as vantagens estavam nesse momento do nosso lado, que a traição converter-se-ia precisamente na destruição daqueles interesses que queriam salvar-se.

Quando eu ouvi que as emissoras estavam transmitindo, de repente o povo nas ruas e as emissoras falando livremente, compreendi que o regime estava totalmente derrocado, que a Revolução triunfava totalmente. Era isso o que fazia falta. E o serviço prestado pelas emissoras de rádio foi extraordinariamente útil na batalha final, que foi a última vitória da Revolução; uma vitória, como eu lhe dizia, na qual participaram não só os combatentes, mas também o povo, os trabalhadores, as classes vivas, a imprensa. E aquilo foi decisivo. Tenho que reconhecer e tenho que expressar-lhes meu reconhecimento a todas as emissoras, prestaram um serviço valiosíssimo, decisivo.

Jornalista.- A propósito disso: ao terminar a greve termina totalmente a censura da imprensa, não existe nada disso, liberdade absoluta de informação, não é verdade?

Fidel Castro.- Precisamente. Eu sei que o povo sofreria as consequências da greve, e é absurdo que nós não nos preocupássemos pelo povo. Todos estávamos muito preocupados. Eu tive uma entrevista com Camilo ontem de madrugada, estava à espera do resultado das instruções que lhe foram dadas, de que assumisse o controlo simplesmente de todos os comandos, e estava a espera da resposta dele, que já recebi por diferentes vias: a confirmação de que estão totalmente controladas pelos comandos revolucionários todas as instalações militares do país; então, já o doutor Urrutia tomou posse ontem...

Jornalista.- Foi constituído o Gabinete...

Fidel Castro.- Triunfo plenamente a Revolução, e esta mesma tarde... Eu estou impaciente porque vocês comuniquem a notícia aos trabalhadores e aos líderes operários: nosso pedido de pôr fim à greve imediatamente e que já o povo possa hoje plenamente desfrutar da alegria do triunfo.

Jornalista.- Essa é uma grande notícia e, além disso, a de que o senhor vai para Havana na quarta-feira, onde será recebido também em apoteose, mesmo como noutros lugares .

Fidel Castro.- Olhe, gostaria ficar bem, até agora fiquei bem, é dito: “tal dia”, e tal dia.

Quando numa ocasião eu disse que viria no ano 1956...

Jornalista.- Realmente, veio.

Fidel Castro.- Sim. Quando eu disse naquela ocasião que se Baptista não renunciava dentro de dois semanas vínhamos para Cuba, chegamos, o mesmo dia. Assim que julgo que cumpro com o que digo. Mas, olhe, em nenhuma outra oportunidade é mais fácil garantir que chego na quarta-feira. Acho que chegarei na quarta-feira.

Jornalista.- Bom, se não é na quarta-feira, será na quinta.

Fidel Castro.- Porque se bem as ditaduras não podem resistir ninguém, ao povo não há quem o possa resistir, compreende? E o povo está no caminho e tenho que atendê-lo. Estra vez não posso garantir nada, não posso garantir qual o dia, porque está o povo por meio.

Eu se espero que, com a colaboração do povo, chegaremos a Havana na quarta-feira. Devem compreender, além disso, que todos nossos homens estão a fazer um esforço extraordinário; vão em caminhões, não há comodidades, horas e horas caminhando devagar, parados; e todos nós levamos dias e dias sem dormir, acho que aprendemos a não dormir.

Jornalista.- E aprenderam uma coisa extraordinária (Risos)

Fidel Castro.- e temos, mais do que desejo, necessidade de descansar. Sei além disso que não vamos descansar. Eu, pelo menos, sei que não poderei descansar.

Jornalista.- Em Havana não poderá descansar durante esses dias, seguramente, porque ali as demonstrações de júbilo serão iguais que em todos os lugares...

Fidel Castro.- Mas ao menos tenho a esperança de que nossos homens possam descansar. Compreenderá, além disso, a alegria com a qual viajam para Havana, porque quase todos são camponeses da Serra Maestra, quase todos os que fazem a viagem são camponeses da Serra Maestra; e vêem a Havana quase como a culminação de aqueles sonos, não é verdade? E viajam com entusiasmo... por isso resistem o que resistem, vão amontoados nos caminhões, vão incômodos e nenhum se queixa. E, além disso, custa muito trabalho manter a marcha, a ordem da coluna, tudo, porque há automóveis por qualquer lugar, o povo encontra-se em qualquer lugar, e eu digo que bom que não temos que combater, porque o caso seria pedir que dispararam com morteiro e ia a disparar um “flash” um jornalista (Risos). Já eu não sei se este que está ao meu lado é militar, se é rebelde, se é jornalista ou se é quem dirige o caminhão, o tanque, sei lá. É uma grande mistura que viaja conosco...

Jornalista.- De todo o povo, colaborando com esta Revolução.

Fidel Castro.- Logicamente, com muito prazer ajudamos os jornalistas.

Jornalista.- A esse respeito, o senhor sabe que nós necessitamos que façam a gestão para nos conseguir um avião com o qual possamos regressar imediatamente à Havana para entregar estas notícias à CMQ e a Rádio Relógio e as rstantes emissoras, é por isso que precisamos dê ordens a seus comandantes, a seus amigos, para que nos facilitem o avião...

Fidel Castro.- Olhe, deixe-me eu dizer-lhe uma coisa: todos nós, honradamente, sendo homens que não nos move nem a ambição, nem a hipocrisia, nem o engano, sabemos que contamos de antemão com o apoio da imprensa e lutamos porque não exista mais a censura em Cuba e não existirá mais. Depois, o que façamos em favor da imprensa, não poderá ser interpretado como que tenha o objetivo é conquistar a imprensa, a imprensa está com a Revolução.

Jornalista.- Logicamente...

Fidel Castro.- Agora, sempre, na Serra Maestra, em todas partes e em todas as circunstâncias, os jornalistas tanto cubanos quanto estrangeiros receberam a maior atenção de nós, e continuarão a recebê-la,. Todas as facilidades, porque estamos cientes da ajuda que nos podem oferecer os jornalistas na tarefa revolucionária. Ajudaram-nos na obtenção do triunfo; agora têm que nos ajudar na parte mais difícil, que é na paz; fazer o que deve ser feito e que também levará tempo e traz consigo muitas dificuldades. É necessário que, levando em conta as boas intenções dos revolucionários, nos ajudem.

Nós também os ajudaremos. Primeiro, defendendo essa liberdade com nosso sangue, com nossas vidas; e depois, oferecendo-lhes todas as facilidades em todas as circunstancias para que informem o povo. Com isso não faremos um favor à imprensa, faremos um favor ao povo, que se interessa por todas as coisas e único que quer é manter-se informado. Este é um povo tão inteligente e tão desperto, que o que necessita é somente receber a notícia do que acontece; ele é que faz as conclusões.

Jornalista,- Efetivamente, inteligentemente.

Bom, não lhe roubamos mais tempo, ao senhor lhe restam urgentes tarefas por fazer. Desejamos-lhe muito sucesso e ver-nos-emos em Havana.

Fidel Castro.- Cumprimente seus companheiros na CMQ, e além de nossa gratidão expressa a todas as emissoras de rádio, também especialmente neste caso gostaria — já que se trata de um programa da CMQ — agradecer à imprensa e aos empregados por tudo o que fizeram.

Jornalista.- Somos nós que lhe agradecemos sua gentileza de nos dedicar estes minutos.


Muito obrigado, Comandante

Lugar: 

Província der Camagüey

Fecha: 

03/01/1959